Monday, July 13, 2009

A tropa do Otaviano.

Otaviano era um nordestino forte e queimado de sol. Devia ter por volta de cinquenta anos, e era chefe de tropa. Ele tinha uma tropa de cavalos, cerca de quinze animais, de todos os tipos e tamanhos. Tinha cavalo pequeno, cavalo grande. Tinha uma égua branca chamada Ventania que galopava muito e vivia prenhe. Outra égua castanha que mancava de uma perna, chamada Lasca-lenha. Acho que o Otaviano comprava seus cavalos no leilão da Prefeitura, por isso tinha animais de todos os tipos, um diferente do outro. O Otaviano tinha também alguns empregados, que cuidavam da tropa. De vez em quando eles nos deixavam rodar a tropa com eles. Nessas ocasiões, cada um pegava um dos cavalos que estavam presos no cercado, selava, montava, e ia com o pessoal procurar os animais que estavam soltos pelas ruas, pastando nos terrenos baldios. A isso se chamava rodar a tropa. O Otaviano morava em um trailer que ficava parado numa esquina do Alto de Pinheiros, bairro nobre de São Paulo que, naqueles idos de 1950, havia sido recém lançado pela Companhia City. Sua profissão e a de seus empregados era a de guarda noturno. Os guardas noturnos naquela época ainda não tinham motos ou carros como hoje. Andavam à cavalo mesmo, e faziam a ronda no bairro, que ainda tinha muitos terrenos vazios e poucas casas. O principal ajudante do Otaviano era o Macumbeiro. Não sei porque ele tinha esse apelido, mas ninguém sabia o seu nome. Macumbeiro era o mais valente daquela turma. Cabra macho. Gente ruim mesmo. Tinha fama de pegar os moleques que roubavam os cavalos e pendurá-los de cabeça para baixo no rio Pinheiros, baixando devagarinho até afundar a cabeça do moleque naquela água imunda. Mas, não sei porque, eu caí nas graças dele. Nossa turma, quando queria andar à cavalo, alugava os cavalos do Otaviano. Eu geralmente ia junto, mas não tinha dinheiro para alugar um deles. Ficava por lá conversando com os peões, com o filho do Otaviano, com o Macumbeiro. E assim fui fazendo amizade com eles. Mas, nossa turma também saia para roubar cavalos. Roubar cavalos significava encontrar os cavalos do Otaviano pastando e tentar laçar um deles para dar umas voltas. Para isso a gente levava uma cordinha, e montava em pelo mesmo. Nada de cela ou pano no lombo do bicho. Pois bem, todo pecado tem seu castigo. Uma noite saimos em quatro para roubar cavalos. Achamos os bichos perto da Marginal do Rio Pinheiros, que naquela época não passava de uma estradinha de terra ao lado da estrada de ferro. Cercamos os cavalos tentando laçar um deles, mas estavam muito desconfiados e se juntaram em um grupo compacto. Eu, mais arrojado que os outros, fui me aproximando de um dos cavalos para por a cordinha sobre seu pescoço. Quando estava quase conseguindo meu intento, Pumba ! Tomei um coice na coxa vindo de uma égua que estava logo à frente. A dor foi tão intensa que pensei que fosse desmaiar. Comecei a suar frio e a sentir uma fraqueza e uma tontura. Sentei na estrada e baixei a cabeça, e aos poucos a dor foi passando e eu me recuperei. Não preciso dizer que a caçada terminou ali mesmo, e que fomos todos para casa ainda assustados com o ocorrido. Mas, o maior susto de todos aconteceu numa tarde de domingo. Estávamos, eu e dois amigos, conversando no campinho, quando um deles nos disse que tinha visto um cavalo pastando ali perto e sugeriu que fossemos dar umas voltas. Nessa época eu devia ter uns treze anos, e meus amigos eram bem mais velhos que eu. Teriam uns dezesseis anos cada um, provavelmente. Providenciamos uma cordinha e fomos ao encontro do cavalo, que na verdade era uma égua. Depois de laça-la no meio da grama alta do terreno, saimos em busca de uma área livre para podrmos dar uns galopes. Mas, nem tínhamos conseguido sair do terreno quando, numa rua transversal apareceu uma figura imponente montada num cavalo marrom, e usando um chapéu de cangaceiro: Era o Macumbeiro. Quando nos viu deu um grito: "- Peraí seus muleque..." e tocou o cavalo em nossa direção. Eu só me lembro que saímos correndo, os três, pelo meio do mato, e ele nos perseguindo à galope. Eu, o menorzinho, não consegui correr nem 20 metros e já tropecei e caí no meio do capim, esperando o pior. Mas, ví o Macumbeiro passar por mim voando e continuar seu galope atrás dos dois amigos, na direção do Rio Pinheiros que ficava a cerca de quinhentos metros dalí. Bom, só me restava correr para casa ainda com as pernas tremendo, e ficar escondido por uns dias. Só fui encontrar meus amigos novamente no outro domingo, e, curioso, quiz saber o final daquela aventura. Eles me contaram o seguinte: O Macumbeiro correu atrás deles pela avenida da Prefeitura por uns trezentos metros. Aí, um deles tentou atravessar o riozinho, mas, apavorado, acabou caindo no meio daquela água de esgoto - é, o riozinho saía de uma manilha de esgoto e corria no meio de uma vala até o Rio Pinheiros. O peão, então, abandonou esse coitado e passou a se dedicar ao outro, que ainda corria na avenida. O resultado foi o seguinte: O cara correu até o rio, virou à esquerda na direção de Santo Amaro e continuou correndo. E o cavaleiro atrás dele. Segundo suas contas, o Macumbeiro só desistiu depois de uns dez quilometros de espinheiros, poças dágua, pedras, tombos, esfolões e mais correria. E só desistiu porque já estava escurecendo, senão ele iria correr até Parelheiros. Eu, depois daquela, não tive mais coragem de aparecer lá pelo Otaviano. Tinha medo de encontrar o Macumbeiro, e ele querer me dar uma coça, apesar de ele ter me poupado naquele dia. E ficou uma lição: A emoção de roubar os cavalos era ótima mas não valia a pena. Era melhor ser amigo do Macumbeiro e rodar a tropa na amizade, numa boa. Mais vale um cavalo na mão que duas éguas voando.