Saturday, February 16, 2013

A valente Dona Maria.


Dona Maria era minha mãe. Ela faleceu há mais de dez anos, mas está presente nas coisas que eu vejo e ouço até hoje. Basta olhar para meus três irmãos e ver a presença dela em seus rostos. Ou no rosto de meus sobrinhos e primos. Dona Maria era uma senhorinha baixinha e altiva, bondosa, orgulhosa e corajosa ao extremo. Basta dizer que aos cinquenta anos ficou viúva precocemente (meu pai faleceu aos 49 anos), com quatro filhos homens e sem nenhuma herança, a não ser talvez alguns crediários ainda por pagar. Os cunhados, penalizados e em melhor situação, se ofereceram para cuidar de alguns dos filhos para aliviar as coisas. Dna. Maria não aceitou. Imagine! Deixar meus filhos para alguém cuidar. Quem cuida de meus filhos sou eu...
E, o que fazer para alimentar cinco bocas naquela casa agora órfã de um pai? Ela não teve dúvidas. Comprou umas apostilas para concurso público e voltou a estudar. Fez inscrição no concurso para escriturário do Fórum de Justiça de São Paulo, prestou exames e passou com louvor. E assumiu seu cargo com muito orgulho. Uma senhorinha de 50 anos entre as jovens que também haviam sido aprovadas. E tocou sua vida, orientando os quatro filhos homens, fiscalizando o mais jovem e pagando escolas particulares para que ele se formasse em jornalismo, sustentando uma casa com quatro adolescentes sem pai. Uma vida bastante sofrida, numa época em que não se andava de carro como hoje. Era ônibus lotado dia e noite. E, além de trabalhar o dia todo fora e de cuidar da casa à noite, ainda tinha forças para lutar pelos colegas que recebiam como escriturários mas exerciam o cargo de escrevente. Ela tomou a frente nessa luta, conseguiu um advogado para a causa, todos entraram na justiça em grupo e conseguiram reverter aquela situação, conquistando o cargo de escrevente, com grande aumento de salário e um alto valor em retroativos.

Alguns locais e algumas coisas me lembram mais minha mãe, como ao comer pasteizinhos de carne bem temperados com pedacinhos de azeitona verde que ela costumava fazer, mas vou contar um fato que pode ajudar a entender a sua personalidade: Minha mãe estava em minha casa - eu já adulto com mais de quarenta anos, ela com mais de setenta - e ela viu na mesinha de centro da sala uma revista Veja, e exclamou: Olha o Tião aí! Eu peguei a revista e falei: Que Tião, mãe? Na capa da revista estava escrito: "O homem mais rico do Brasil" e tinha uma foto de Sebastião Camargo, dono da Camargo Corrêa, uma das maiores empreiteiras do país. Minha mãe respondeu com simplicidade: O Tião, meu primo irmão. Olha ele aí na capa da revista. Bem, eu quase caí de costas. Ele é seu primo, mãe? Você é prima-irmã do cara mais rico do Brasil? E por que eu fui office-boy até os vinte anos?  Por que nós nunca tivemos dinheiro? Tantas dificuldades! Você nunca pediu ajuda a ele?  E ela sempre tranquila: Parentesco não quer dizer nada, meu filho. Você deve fazer sua vida por si mesmo. Isso é que dá valor às coisas.
Bem, eu fui pesquisar por curiosidade, e não é que o homem era primo mesmo (era, porque já morreu). Minha mãe era de Jaú, interior de São Paulo, da família Camargo Arruda. O Sebastião Camargo, seu primo, ficou rico na época do governo Adhemar de Barros construindo estradas no interior do Estado. Segundo um de meus irmãos, minha mãe havia contado a ele que foi ela quem conseguiu o primeiro emprego para Sebastião Camargo, como mensageiro no Cartório da cidade, onde ela trabalhava.
E, usando a Internet, descobri mais ainda. Minha mãe era neta de Lucio de Arruda Leme, um dos fundadores da cidade. Lucio emprestava sua casa para as reuniões dos fundadores da cidade, como descobri no site da cidade de Jaú.
Bem, chega de falar da Dna. Maria. Espero que esteja bem aonde estiver, e que curta os netinhos que estão aqui na terra aprontando bastante.
Quanto a mim, acho que com esse pedigree eu já nem preciso ganhar na Megasena. É só esperar um meteoro feito de diamantes cair no meu quintal, e fico rico em instantes.
Enquanto isso não acontece, eu vou trabalhando e lembrando de histórias antigas para contar neste blog. Na próxima talvez eu conte a história dos Castanho, que chegaram ao Brasil pelos idos de 1500.
Até mais...